Diante de diversas reclamações dos consumidores de planos e seguros privados de saúde, surgiu a necessidade de uma regulação desse mercado. Assim, em 1998, foi criada a Lei n. 9.656, mais conhecida como a Lei dos Planos de Saúde privados.
Apesar de a sua criação ter ocorrido com o intuito de regulamentar a relação entre as operadoras e seus usuários, ainda existem muitos desafios para adequar a qualidade do serviço no Brasil. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por exemplo, enfrenta grande resistência das operadoras no cumprimento da legislação. Ainda assim, após 22 anos, é inegável o avanço no setor, com o objetivo de trazer mais segurança e clareza a esse tipo de relação jurídica.
Como era e como ficou
Antes de a Lei n. 9.656 entrar em vigor, cada operadora definia, em seus contratos, as regras sobre os direitos e deveres assumidos por cada uma das partes. Com a regulamentação do mercado, o Estado estabeleceu diversas diretrizes de funcionamento, com o intuito de elevar a transparência da relação entre o plano de saúde e seu usuário. Como exemplo, foram adotadas medidas de controle de reajuste, criadas ferramentas de regulação para a exclusão de prestadores (clínicas, laboratórios, hospitais), assim como definidas as hipóteses de exclusão dos segurados, visando proteger os direitos dos beneficiários.
Uma das principais medidas adotadas pela Lei refere-se ao rol mínimo de cobertura que deve estar contemplado em qualquer contrato, explica o sócio do escritório Alan Skorkowski: “Antes disso, as operadoras de planos e de seguros podiam livremente estabelecer quais despesas cobririam, o que invariavelmente gerava prejuízos ao consumidor Algumas disposições relativas aos contratos empresariais e à proteção da posição dos empregados demitidos e aposentados representaram um importante avanço nas relações entre consumidor e a operadora”, diz.
Mas, ainda segundo especialistas, as providências trazidas pela Lei não foram, todavia, suficientes, devido, essencialmente, à relutância das operadoras em adequar-se a essas regras. Para o sócio Fabrício Poli, “a maior crítica fica a cargo das manobras utilizadas pelas operadoras de seguros e planos de saúde, que passam a disponibilizar planos coletivos ou empresariais, para se esquivarem da aplicação de determinadas disposições aos seus contratos, sob o pretexto de que determinadas disposições da Lei 9.656/98 só se aplicam a planos individuais ou familiares “.
Para o mesmo advogado, o ideal seria que a Lei fosse reformada, trazendo limitações também aos planos empresariais e coletivos, impedindo fossem cometidos esses tipos de abuso por parte das operadoras. Segundo levantamento da ANS, em 2019, os planos de saúde coletivos empresariais e por adesão tiveram um aumento de quase 20%, sendo praticamente o triplo do reajuste anunciado para os planos individuais, que foi de 7,35%. Vale lembrar que os planos coletivos representam 90% do mercado de saúde suplementar brasileiro, reunindo mais de 47 milhões de beneficiários.
Na opinião da advogada associada Anna Soares, outros empecilhos acabam por dificultar a vida do usuário de plano de saúde, mesmo após a aprovação da lei em 1998, como o caso daqueles que firmaram contratos antes de sua aprovação no Congresso: “Sabe-se que, embora os Tribunais entendam pela não aplicação da Lei dos Planos de Saúde aos contratos antigos e não adaptados, diversos direitos têm sido assegurados com base no próprio Código de Defesa do Consumidor, que serve de guia para os juízes na avaliação desses casos. Contudo, mesmo com alguns entendimentos consolidados há diversos anos pelo entendimento do Poder Judiciário, tais garantias seguem sendo descumpridas pelos planos, que beneficiam-se em razão da pequena parcela de consumidores que irão entrar com ações judiciais em caso de negativa de cobertura ou reajuste abusivo”.
Atualmente, os planos de saúde privados respondem por mais de 60% do total de recursos investidos na Saúde no Brasil. São cerca de 50 milhões de pessoas que recorrem ao mercado privado para assegurar os seus direitos básicos de saúde. Diante de uma das piores pandemias do último século, o cenário poderia ser pior sem a Lei dos Planos de Saúde. Mas, 22 anos depois, é a hora de repensar seus aspectos negativos,com o intuito de trazer melhorias a esse mercado.